Vivemos num sistema global em que os valores tradicionais
têm sido postos em causa. E isto não é apenas uma crise local, mas sim uma
crise global, atingindo todos os sectores da sociedade. Assim questiona-se a
autoridade do governo, da escola, da família, da igreja e de modo geral das
instituições. E isso se deve quanto a mim a que mesmo os próprios filósofos não têm uma ideia exacta do assunto. É
feita, muitas vezes a seguinte afirmação: “Não existem critérios seguros para
distinguir o certo do errado, o bem do mal. Tudo é relativo e subjectivo e
depende das circunstâncias e dos interesses”. Por isso é necessário perguntar:
Quem tem o direito de definir o que é certo e o que é errado? Será a opinião
popular um guia confiável? Ou deveremos deixar-nos guiar pelo nosso próprio
critério? Ou será necessário que haja legisladores e autoridades?
Como somos influenciados
Desde crianças somos confrontados com esta questão. Nossos
pais influenciados pela tradição, religião, ou convicções pessoais
impuseram-nos um conjunto de normas que até certa altura achávamos serem as
mais correctas. A família é onde, em princípio, qualquer ser humano adquire os
seus primeiros valores. Ora as estruturas familiares estão em crise, o que se
reflecte, por exemplo, no aumento da dissolução de casamentos, no aparecimento
de novos tipos de uniões (casamento de homossexuais, etc.), etc. Por tudo isto,
muitos pais manifestam cada vez mais dificuldade em elegerem um conjunto de
valores que considerem fundamentais na educação dos seus filhos. E o que vemos
hoje é os próprios jovens questionarem se há mesmo o certo e o errado. Não que
os jovens sejam ignorantes, indignos de confiança, cruéis ou traiçoeiros, mas
eles estão simplesmente desorientados.
Por outro lado temos as leis do nosso país que nos obrigam,
sob pena de sofrermos as penalidades, a obedecer-lhes. Estas leis feitas por
legisladores definem o bom e o mau, o certo e o errado. Mas a globalização
trouxe consigo uma maior aproximação entre os povos em termos de informação,
facto que aparentemente possibilitaria o desenvolvimento de uma consciência
global. Mas com tamanha diversidade de tradições, culturas, religiões e
condições de vida, torna-se cada vez mais difícil definir um conjunto de
valores compatíveis para todos. O que é certo para uns não o é para outros. As
profundas alterações económicas, científicas e tecnológicas que a nossa
sociedade moderna tem conhecido, têm não apenas estimulado o abandono dos
valores tradicionais, mas parecem ter conduzido a humanidade para um vazio de
valores. O desenvolvimento económico dos países tem sido feito à custa da
poluição do ar, contaminação das águas, destruição das florestas, acumulação de
lixos, etc. As previsões sobre as consequências futuras destas acções são
aterradoras. O planeta terra está numa rápida agonia.
Outro factor a ter em conta é a chamada cultura de massa.
Os novos valores são agora impostos por produtores de televisão, magnatas do
cinema, modelos, cantores de rap e muitas outras pessoas do círculo da
comunicação social. Esses manipuladores de opinião exercem um poder muito
grande sobre a nossa cultura especialmente sobre as crianças, e muitas vezes
têm pouco ou nenhum senso de responsabilidade em relação aos valores nocivos
que propagam.
É por estas razões que se aponta para a necessidade de se
estabelecer novos consensos em torno de valores que nos sirvam de guia para o
nosso relacionamento inter-pessoal e colectivo. Em causa está o nosso futuro
comum. Mas como estabelecer estes valores? E será mesmo necessário estabelecer
novos valores?
Será a opinião popular é um guia confiável?
Se vivêssemos numa sociedade onde a maioria acreditasse que
o sacrifício de crianças é aceitável, tornaria essa prática aceitável? Ou se o
canibalismo for encarado em certa região como uma virtude tornaria isso uma
coisa correcta? Na Grécia antiga, o infanticídio nomeadamente dos recém
nascidos deficientes era permitido. O mesmo se passa actualmente em alguns
países asiáticos. Em certos países é permitido o aborto ou a eutanásia,
enquanto noutros não. A popularidade duma prática torná-la-ia certa? Claro que
não.
Pode confiar no seu próprio critério?
Então, será que cada um deveria decidir por si mesmo o que
é certo e o que é errado? Basta olharmos para a Natureza para concluirmos que
ela está repleta de desigualdade e de diversidade. A Natureza tem horror à
igualdade. Por outro lado, é fácil verificar que há pessoas que desperdiçam as
suas vidas e outras que cumprem as suas funções de forma excelente. Por isso
seria muito difícil viver em comunidade se cada um de nós tivesse a prerrogativa
de decidir o que é bom e que é mau e viver independente como se fosse o único
habitante da terra.
É fundamental que os legisladores legislem e que as
autoridades estabelecidas cumpram e façam cumprir as leis que devem ser justas,
solidárias e baseadas no princípio da igualdade. Mas serão mesmo necessários
novos valores?
Os princípios estabelecidos não estão obsoletos
Na verdade, a base de ordenamento jurídico, moral e ético
da legislação da maioria dos países do mundo se fundamenta nos princípios
inculcados na lei Judaica os “ Dez Mandamentos” e continuados na lei cristã.
(não é por acaso que a democracia moderna é considerada por muitos, neta da
ética cristã e filha da Revolução Científica do século XVII). Entre os Dez
Mandamentos estão: Honrar ou respeitar os progenitores. Não assassinar outros
seres humanos. Não cometer adultério. Não roubar. Não dar falso testemunho. Não
mentir. Não cobiçar o que é dos outros.
Mas não é apenas na Biblia encontramos estes mandamentos. Quando
se perguntou a Buda que preceitos deveriam ser observados como normas de
conduta. Ele deu também dez mandamentos muito similares aos da lei “ mosaica”:
I. Não matar. II. Não roubar. III. Não falar mal dos outros. IV. Não mentir. V.
Não ingerir alimentos antes das horas pré-fixadas e se abster de bebidas
alcólicas. VI. Não assistir a festas e espetáculos. VII. Abster-se de perfumes,
unguentos, adornos e grinaldas. VIII. Não cobiçar nada de ninguém. IX. Evitar o
conforto de leitos macios. X. Abster-se de receber esmolas em dinheiro.
Estarão estes valores fora de moda? Serão obsoletos?
Decididamente não, do meu ponto de vista. Porque podemos dizer que obedecer a
estes preceitos é bom, é correcto, é o proceder certo, e, infringi-los é mau, é
incorrecto e errado?
Façamos uma anologia entre este assunto e a questão dos
direitos humanos. Os direitos humanos se baseiam em princípios fundamentais
inerentes às necessidades essenciais do ser humano, que são iguais para todos
os seres humanos, tais como: A igualdade, a liberdade e a fraternidade. As leis
podem variar conforme o país ou a cultura, mas este princípios devem permear as
leis a vigorar de forma a garantir os direitos fundamentais do ser humano
porque todos têm direito a isso.
Da mesma forma os princípios, por exemplo, transmitidos na
letra da lei “mosaica” ou dos mandamentos dados por Buda, resumem-se a uma
ideia transmitida pelo mestre do cristianismo, Jesus Cristo ,e descrito no
livro de Mateus capítulo 5 e versículo 12: “Todas
as coisas, portanto, que quereis que os homens vos façam, vós também tendes de
fazer do mesmo modo a eles; isto, de fato, é o que a Lei e os Profetas querem
dizer”.
Aqui está o cerne da questão. O princípio da vida clama por valores como a cooperação, a
integração e formação de parcerias. É necessário que as regras sejam permeadas
por justiça, solidariedade e igualdade. Os seres humanos partilham
necessidades, apetites e sensações. Porque roubar, mentir, ou assassinar é
errado? Porque isso não é coisa que gostaríamos que nos fizessem. Porque
fazermos estas coisas prejudicaria os nossos semelhantes. Porque roubaria a paz
da comunidade em que se vive. Assim, ética deve ser um
conjunto de valores morais e princípios que norteiam a conduta humana na
sociedade. A ética deve servir para que haja um equilíbrio e bom funcionamento
social, possibilitando que ninguém saia prejudicado.
Se eu tivesse poder, mudaria alguma coisa?
Não há dúvida que vivemos num mundo em constante
transformação. Em vez de governos autoritários, que tem o poder absoluto temos
cada vez mais governos “democráticos” em que o povo expressa os seus anseios,
esperanças e necessidades, têm efeitos nas mudanças estruturais e participam na
construção do seu futuro. Mas precisamos continuar
a conjugar qualidades morais, espirituais e éticas, em que
o acto de servir deve ser maior aspiração.
O sentimento de superioridade racial, com sua longa
história de sofrimentos, guerras e conflitos étnico-raciais precisa ceder espaço à proposta de unidade racial, onde
todos são considerados irmãos, frutos de uma mesma árvore, chamada humanidade.
O planeta é um bem que interessa a todos, independente de sua origem nacional.
A humanidade precisa continuar a avançar, para
o conceito integral de que “a terra é um só país e os seres humanos seus
cidadãos.”
O sistema de educação, que agora privilegia a aquisição de
conhecimentos técnico-científicos, deve procurar também fazer renascer qualidades morais e espirituais como honestidade,
veracidade e a solidariedade.
Na questão da justiça
social deveria deixar de haver necessidade de os trabalhadores
empunharem faixas e cartazes reinvindicando aumento salarial, creches para seus
filhos, ajudas para saúde, alimentação e transporte, dentre outros benefícios
sociais.
Regras que considero importantes introduzir
Eu não sou jurista, nem possuo informações suficientes para
criar um novo código de valores. Conforme referi, parece-me que os princípios
em que assentam as actuais leis da maioria dos países democráticos estão
correctos. O problema é que se criou a ideia de que não há o certo nem o
errado, perdeu-se a noção dos verdadeiros valores que torna o homem grande.
Muitas vezes um “gatuno” bem sucedido é considerado um homem de sucesso.
Mas penso que é na área da aplicação da justiça que precisa
haver mudanças:
1- Os juízes e advogados
deveriam ser todos pagos pelo estado. Poderiam ser avaliados
pela sua isenção e imparcialidade. Desta forma não haveria o escândalo de
vermos que quem tem dinheiro sempre se safa melhor do quem o não tem para se
defender.
2- Os condenados de crimes
menores deveriam pagar sempre com trabalho os seus crimes. Deveriam
trabalhar para a vítima até pagar integralmente os danos, em vez de serem uma
carga para o estado.
3- Os condenados de crimes
mais graves deveriam ir para a prisão, mas nas prisões deveria haver indústrias
para que produzissem para pagar os prejuízos.
4- Os lesados deveriam
sempre ser ressarcidos dos seus prejuízos, directamente pelo criminoso ou pelo
estado.
Conclusão
O ideal seria que a ética de valores morais estivesse
gravada, não num código de leis com as suas penalidades, mas no coração de
todos e de cada um. Mas temos de partir do princípio que não existe sociedade
perfeita. Sempre houve e sempre haverá os prevaricadores. Por essa razão há
necessidade de haver um manual de regras que nos orientem, que imponha limites
de comportamento para que o bem comum seja preservado, um código formal de leis
com sanção, um conjunto de normas de conduta cuja finalidade é padronizar o
exercício do juízo moral em situações definidas da nossa convivência,
tornando-o desse modo o mais isento e independente possível.
Pensamento/Reflexão
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A Liberdade e a Justiça
“A
revolução do século XX separou arbitrariamente, para fins desmesurados
de
conquista, duas noções inseparáveis. A liberdade absoluta mete a justiça
a
ridículo. A justiça absoluta nega a liberdade. Para serem fecundas, as duas
noções
devem descobrir os seus limites uma dentro da outra. Nenhum
homem
considera livre a sua condição se ela não for ao mesmo tempo justa,
nem
justa se não for livre. Precisamente, não pode conceber-se a liberdade
sem o
poder de clarificar o justo e o injusto, de reivindicar todo o ser em nome
de uma
parcela de ser que se recusa a extinguir-se. Finalmente, tem de haver
uma
justiça, embora bem diferente, para se restaurar a liberdade, único valor
imperecível
da história. Os homens só morrem bem quando o fizeram pela
liberdade:
pois, nessa altura, não acreditavam que morressem por completo”.
Albert Camus, in "O
Mito de Sísifo"
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Esta pergunta foi
vencedora num congresso sobre vida sustentável.
“Todo mundo pensa em
deixar um planeta melhor para nossos filhos....
Quando é
que pensarão em deixar filhos melhores para o nosso planeta?”